Para além da tragédia
Do blog da cientista política Lucia Hippolito:
"As crises encerram lições. E as centenas de mortes só farão algum sentido se aprendermos com as crises.
É preciso ir além da dor para tentar identificar algumas lições nesta crise aérea que se arrasta pelo menos há dez meses e que já matou mais de 300 pessoas.
Em primeiro lugar, há uma crise de autoridade. Excesso de órgãos para cuidar da mesma coisa resulta naquilo que se sabe: ninguém manda, ninguém coordena, ninguém lidera.
E mais: ninguém é responsável. Não existe accountability.
Segundo, é preciso diferenciar culpa de responsabilidade. Ninguém sensato atribui ao governo federal a culpa pela tragédia com o vôo da TAM.
Mas o governo é responsável, sim. Se não, como entender a fala do presidente Lula na sexta-feira, reconhecendo “dificuldades no setor aéreo”, prometendo desafogar Congonhas, fortalecer a Anac, construir um novo aeroporto, redistribuir a malha aérea?
Se o próprio presidente da República reconheceu a responsabilidade do governo, não há mais o que dizer.
Terceiro, em momentos graves como este por que estamos passando, é preciso que o governo demonstre união, agilidade e, sobretudo, pulso firme.
Não se pode entender que não tenha havido até agora uma única demissão exemplar. Sabemos todos que o presidente Lula não gosta de demitir.
Ministros passam semanas se liquefazendo em praça pública, até estarem totalmente desidratados e pedirem demissão. Porque o presidente Lula tem enorme dificuldade de demitir.
Mas no caso da presente crise, algumas demissões são imperativas, até para o governo recuperar a iniciativa política. O governo está acuado há uma semana, reagindo mal e na hora errada.
Quarto, a dificuldade em demitir está sendo agravada pela extrema dificuldade de encontrar substitutos. Não é de hoje que o governo Lula tem enorme dificuldade em atrair competências, injetar sangue novo, oxigênio, na administração pública.
O que temos visto, desde o primeiro mandato, é muito mais uma dança das cadeiras, do que propriamente renovação. Sai Dirceu e entra Dilma, que estava nas Minas e Energia. Sai Viegas e entra o vice, José Alencar, depois Valdir Pires, que estava na CGU. Sai Palocci e entra Mantega, que já estava no BNDES.
Está muito difícil atrair gente nova para o governo. Agora, então, quem quer assumir este furacão?!
Finalmente, outra lição preciosa da crise: este é um governo movido a pesquisas de opinião. Durante os dez últimos meses, o governo não se mexeu em matéria de apagão aéreo, porque as pesquisas indicavam que a popularidade do presidente Lula não estava sendo afetada pela crise.
Estes dados geraram nos assessores, aspones e áulicos a firme convicção, comentada abertamente, de que “pobre não anda de avião”. “Crise aérea é coisa das elites”.
Pois, pelo visto, essas considerações revelaram-se um brutal erro de cálculo político.
A popularidade de Lula pode continuar inalterada, mas a do seu governo... Quanta diferença!"
Do blog da cientista política Lucia Hippolito:
"As crises encerram lições. E as centenas de mortes só farão algum sentido se aprendermos com as crises.
É preciso ir além da dor para tentar identificar algumas lições nesta crise aérea que se arrasta pelo menos há dez meses e que já matou mais de 300 pessoas.
Em primeiro lugar, há uma crise de autoridade. Excesso de órgãos para cuidar da mesma coisa resulta naquilo que se sabe: ninguém manda, ninguém coordena, ninguém lidera.
E mais: ninguém é responsável. Não existe accountability.
Segundo, é preciso diferenciar culpa de responsabilidade. Ninguém sensato atribui ao governo federal a culpa pela tragédia com o vôo da TAM.
Mas o governo é responsável, sim. Se não, como entender a fala do presidente Lula na sexta-feira, reconhecendo “dificuldades no setor aéreo”, prometendo desafogar Congonhas, fortalecer a Anac, construir um novo aeroporto, redistribuir a malha aérea?
Se o próprio presidente da República reconheceu a responsabilidade do governo, não há mais o que dizer.
Terceiro, em momentos graves como este por que estamos passando, é preciso que o governo demonstre união, agilidade e, sobretudo, pulso firme.
Não se pode entender que não tenha havido até agora uma única demissão exemplar. Sabemos todos que o presidente Lula não gosta de demitir.
Ministros passam semanas se liquefazendo em praça pública, até estarem totalmente desidratados e pedirem demissão. Porque o presidente Lula tem enorme dificuldade de demitir.
Mas no caso da presente crise, algumas demissões são imperativas, até para o governo recuperar a iniciativa política. O governo está acuado há uma semana, reagindo mal e na hora errada.
Quarto, a dificuldade em demitir está sendo agravada pela extrema dificuldade de encontrar substitutos. Não é de hoje que o governo Lula tem enorme dificuldade em atrair competências, injetar sangue novo, oxigênio, na administração pública.
O que temos visto, desde o primeiro mandato, é muito mais uma dança das cadeiras, do que propriamente renovação. Sai Dirceu e entra Dilma, que estava nas Minas e Energia. Sai Viegas e entra o vice, José Alencar, depois Valdir Pires, que estava na CGU. Sai Palocci e entra Mantega, que já estava no BNDES.
Está muito difícil atrair gente nova para o governo. Agora, então, quem quer assumir este furacão?!
Finalmente, outra lição preciosa da crise: este é um governo movido a pesquisas de opinião. Durante os dez últimos meses, o governo não se mexeu em matéria de apagão aéreo, porque as pesquisas indicavam que a popularidade do presidente Lula não estava sendo afetada pela crise.
Estes dados geraram nos assessores, aspones e áulicos a firme convicção, comentada abertamente, de que “pobre não anda de avião”. “Crise aérea é coisa das elites”.
Pois, pelo visto, essas considerações revelaram-se um brutal erro de cálculo político.
A popularidade de Lula pode continuar inalterada, mas a do seu governo... Quanta diferença!"
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